- Escuta aqui, ó criolo...
- O que foi?
- Você andou dizendo por aí que no Brasil existe racismo.
- E não existe?
-
Isso é negrice sua. E eu que sempre te considerei um negro de alma
branca... É, não adianta. Negro quando não faz na entrada...
- Mas aqui existe racismo.
-
Existe nada. Vocês têm toda a liberdade, têm tudo o que gostam. Têm
carnaval, têm futebol, têm melancia... E emprego é o que não falta. Lá
em casa, por exemplo, estão precisando de empregada. Pra ser lixeiro,
pra abrir buraco, ninguém se habilita.
Agora, pra uma cachacinha e um baile estão sempre prontos. Raça de safados! E ainda se queixam!
- Eu insisto, aqui tem racismo.
-
Então prova, Beiçola. Prova. Eu alguma vez te virei a cara? Naquela vez
que te encontrei conversando com a minha irmã, não te pedi com toda a
educação que não aparecesse mais na nossa rua? Hein, tição? Quem apanhou
de toda a família foi a minha irmã. Vais dizer que nós temos
preconceito contra branco?
- Não, mas...
- Eu expliquei lá
em casa que você não fez por mal, que não tinha confundido a menina com
alguma empregadoza de cabelo ruim, não, que foi só um engano porque
negro é burro mesmo. Fui teu amigão. Isso é racismo?
- Eu sei, mas...
- Onde é que está o racismo, então? Fala, Macaco.
- É que outro dia eu quis entrar de sócio num clube e não me deixaram.
-
Bom, mas pera um pouquinho. Aí também já é demais. Vocês não têm clubes
de vocês? Vão querer entrar nos nossos também? Pera um pouquinho.
- Mas isso é racismo.
-
Racismo coisa nenhuma! Racismo é quando a gente faz diferença entre as
pessoas por causa da cor da pele, como nos Estados Unidos. É uma coisa
completamente diferente. Nós estamos falando do crioléu começar a
freqüentar clube de branco, assim sem mais nem menos. Nadar na mesma
piscina e tudo.
- Sim, mas...
- Não senhor. Eu, por acaso, quero entrar nos clubes de vocês? Deus me livre.
- Pois é, mas...
-
Não, tem paciência. Eu não faço diferença entre negro e branco, pra mim
é tudo igual. Agora, eles lá e eu aqui. Quer dizer, há um limite.
- Pois então. O ...
- Você precisa aprender qual é o seu lugar, só isso.
- Mas...
- E digo mais. É por isso que não existe racismo no Brasil. Porque aqui o negro conhece o lugar dele.
- É, mas...
- E enquanto o negro conhecer o lugar dele, nunca vai haver racismo no Brasil. Está entendendo? Nunca. Aqui existe o diálogo.- Sim, mas...
- E agora chega, você está ficando impertinente. Bate um samba aí que é isso que tu faz bem.
Luis Fernando Veríssimo
Texto para ser trabalhado com alunos:
No texto Racismo de Luís Fernando Veríssimo o patrão nega, o tempo todo, a existência do racismo apesar de estar sendo racista.
Faça uma relação entre a atitude do patrão e a ideia da democracia racial no Brasil.
Reflita as estratégias do “silenciamento” brasileiro em relação à afirmação da existência do racismo no Brasil, através da construção do mito da democracia racial contextualizando historicamente seu surgimento.
Boa aula!!!!
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